Não há dúvida de que os telemóveis se transformaram numa extensão de nós. Dependemos do nosso smartphone para grande parte da nossa vida: desde acordar de manhã a planear o dia seguinte, do trabalho ao entretenimento, das deslocações às compras. Assim, não é de estranhar que as marcas apostem cada vez mais em conteúdos e instrumentos destinados a este meio, como aplicações. No entanto, como explica o livro Smarketing – Como o mobile marketing está a mudar Portugal, uma estratégia bem-sucedida de Marketing deve ser feita de forma global:
“Smarketing é ter um mindset aplicado a toda a estratégia de Marketing de uma forma holística e compreender o consumidor como ele é atualmente”
Patrícia Dias
Embora o telemóvel seja uma ferramenta muito importante, não pode ser encarado como um todo. Deve ser um dos canais de uma estratégia global, relevante e útil, que tenha em consideração as reais necessidades e condicionantes do consumidor. É isto que significa smarketing: Marketing para smartphones, feito de uma forma smart.
Para conhecer melhor este conceito, a Webtexto esteve à conversa com Patrícia Dias e Inês Teixeira-Botelho, autoras do livro. As investigadoras da Universidade Católica e especialistas em Marketing explicam como as empresas podem aproveitar os telemóveis para se diferenciarem, como se relaciona hoje o público com as marcas e qual será o futuro do Marketing.
Como é que definem o conceito de smarketing?
Patrícia Dias
O digital e o físico estão, hoje, interconectados e têm de ser pensados em conjunto, não faz sentido pensar em estratégias diferentes. Quando falamos em smarketing, temos a ideia de que o smartphone ganhou um papel primordial no dia a dia e nos influencia em coisas tão profundas como aquilo a que damos atenção, quão atualizados estamos ou o nervosismo que sentimos quando nada acontece. Portanto, para nós, smarketing é ter este mindset aplicado a toda a estratégia de Marketing de uma forma holística e compreender o consumidor como ele é atualmente, para pensar em estratégias a partir desse ponto de vista.
Ao mesmo tempo, os consumidores são smart, ou seja, através do smartphone têm cada vez mais capacidade de descobrirem informações sobre as marcas, comparar preços e recorrer a outros consumidores para ter opiniões. As marcas têm de se relacionar com eles a partir deste tipo de mentalidade.
Inês Teixeira-Botelho
O objetivo é não ser uma realidade separada. Não é por conhecermos um 1 e outro 1 que vamos saber o que é o 2. Para isso, temos de conseguir fazer esta relação e é exatamente isso que tentamos. Hoje em dia, uma pessoa é afetada por inúmeras circunstâncias, desde as suas próprias até às tecnologias que utiliza.
Por exemplo, as operadoras que tinham o Extreme, o Extravaganza e o Moche mudaram a forma como as pessoas se relacionavam. Ninguém diz “Eu sou Zara”, mas toda a gente ganhou o hábito de dizer “Eu sou Extreme” ou “Eu sou Vodafone”. A forma como nós falamos e incorporamos a tecnologia na nossa vida modificou o modo como percebemos e vemos o mundo. Portanto, isto é mesmo uma relação holística. É um smart de smartphone, mas não é só de smartphone, é um novo mindset que tudo afeta.
“70% das aplicações que constam na APP Store nunca tiveram um único download.”
Inês Teixeira-Botelho
Como é que no dia a dia as pessoas se estão a relacionar com as marcas através destes canais?
Patrícia Dias
Depende do valor acrescentado que as marcas conseguem adicionar aos consumidores, porque não é fácil encontrar um espaço no smartphone de uma pessoa. A maioria instala uma app para experimentar e não volta a utilizá-la. Isto faz com que as marcas não invistam mais na criação de aplicações, porque têm custos consideráveis e não se sabe se as pessoas irão efetivamente utilizá-las.
Foi um pouco esse o critério na escolha de casos para o nosso livro [Smarketing – Como o mobile marketing está a mudar Portugal], ou seja, encontrar empresas que tenham tido sucesso a criar aplicações que simplificam a vida das pessoas. Entre todas, o exemplo mais óbvio que consta no livro é o MBWay. É uma app que toda a gente utiliza e que conseguiu detetar necessidades, como dividir as contas, fazer pagamentos de pequena importância ou realizar levantamentos sem cartão.
Uma outra dimensão é a importância das marcas serem responsáveis do ponto de vista da sustentabilidade ambiental e da responsabilidade social. As pessoas gostam de marcas que facilitem o dia a dia, mas quase que exigem que tenham essa postura social para se fidelizarem e estabelecerem uma relação mais emocional.
Inês Teixeira-Botelho
O lugar do smartphone passou a ser o lugar do utilizador e nós estamos sempre com ele. Por isso, a partir deste dispositivo, conseguimos perceber as circunstâncias em que é possível acrescentar valor ao consumidor. Costumo dar sempre este exemplo, imaginem: eu estou no carro a consultar um website de um restaurante. O que é que eu vou querer ver rapidamente? Tendo em conta que eu estou em movimento – e, hoje em dia, é possível perceber que eu estou em movimento –, torna-se óbvio que provavelmente vou querer saber a localização ou arranjar o número de telemóvel, em detrimento de consultar o menu daquele dia.
O smartphone dá esse poder de conseguir customizar à necessidade do consumidor que consigo antever. Esta capacidade do smartphone está a começar agora a ser utilizada e mostra que nem sempre é necessário as empresas investirem numa app. A verdade é que um website já consegue fazer este tipo de segmentação ou filtragem.
Portanto, não podemos estar constantemente a pensar em criar aplicações. Este é um dos dados que nós damos no nosso livro sobre smarketing: 70% das aplicações que constam na APP Store nunca tiveram um único download. É um número que demonstra que, se uma app não acrescentar valor aos consumidores, ninguém a vai utilizar.
O livro Smarketing – Como o mobile marketing está a mudar Portugal cita mais alguns case studies, como a EMEL e o El Corte Inglés. O que temos a aprender com estes exemplos?
Patrícia Dias
Na parte final do livro, procurámos sistematizar o que havia de comum entre esses exemplos, sistematizando um processo pelo qual as empresas devem passar para conseguirem criar uma aplicação com sucesso.
A mim interessa-me, particularmente, a importância da cultura organizacional. Estas empresas são todas aparentemente diferentes, mas nos departamentos em que estas aplicações foram criadas, existia uma cultura que promovia a inovação, sem medo de errar ou falhar. A liderança é fundamental para promover e sedimentar esta cultura. Por isso mesmo, em todas estas empresas encontrámos líderes que promoviam a inovação e estavam sempre abertos a acolher as novas sugestões dos colaboradores.
Também achei interessante o facto de algumas empresas já fazerem uma boa auscultação dos consumidores, através de dados do website e de reclamações. Deste feedback, conseguiram criar necessidades para gerar mais valor para a marca.
Inês Teixeira-Botelho
No caso do MBWay, aquilo que fizeram foi antecipar o que seria uma necessidade futura. É um pouco a velha discussão do Marketing: estamos a antecipar ou a criar necessidades? No fundo, é identificar uma necessidade latente e conseguir propor algo que a vai resolver.
Patrícia Dias
Quase todas estas aplicações mencionadas no nosso livro sobre o smarketing tiveram uma fase de beta-testing interno, o que as empresas portuguesas ainda fazem pouco. Isso permitiu identificar alguns erros antes de a solução ficar disponível. Se a aplicação não estiver a 100% no mercado, as pessoas até podem instalar a app, mas não voltam a utilizá-la.
“25% das aplicações são utilizadas uma vez e são apagadas. Ninguém quer fazer parte dessa percentagem.”
Inês Teixeira-Botelho
Inês Teixeira-Botelho
Quanto ao processo de smarketing, nós tentámos sistematizar em sete passos, como se fosse um mapa que não é linear. Ou seja, não é algo que se vai começar no ponto “A” e terminar no ponto “Z”. No fundo, são sete momentos:
1.º Passo:
temos a ideia e faz-se a antecipação da necessidade;
2.º Passo:
trabalhamos a parte da investigação, algo fundamental para se conseguir perceber o que está a ser feito no mercado, os erros que os outros cometeram e como os resolveram;
3.º Passo:
aqui surge a parte da implementação, quando se desenvolve a tecnologia em si;
4.º Passo:
depois temos o momento da incubação, em que procuramos perceber como as pessoas utilizam a aplicação na fase de beta-testing interno e como se pode melhorar;
5.º Passo:
surge posteriormente o momento da incrementação e desenvolvimento;
6.º Passo:
de seguida, passamos para a parte da criação, ou seja, se eu já estou a gerar valor, como vou criar recorrência de uso. Este é outro ponto fundamental, porque 25% das aplicações são utilizadas uma vez e são apagadas. Ninguém quer fazer parte dessa percentagem;
7.º Passo:
no último momento, abordamos a fase da implementação de forma imersiva para a nossa realidade. Tudo isto é holístico e as aplicações têm de estar adequadas à nossa realidade no momento, não é só digital.
Patrícia Dias
Para dar um exemplo mais concreto, muitas destas empresa fizeram campanhas de comunicação a divulgar a app. Isso é muito importante. Por exemplo, o El Corte Inglés colocou banners no website. Podemos pensar que eles estavam a canibalizar, porque o website tem comércio eletrónico próprio, mas, na nossa opinião, não importa. Como há um login único foi possível perceber que a maior parte das pessoas gosta de utilizar a app para juntar coisas ao carrinho. Depois até gosta de ir, com mais calma, ao computador para finalizar a compra e pagar. Percebendo isto, não existe aquela questão de tirar de um lado e pôr noutro. Foi explicado pelos responsáveis que os utilizadores que se fixam na app ou no website são muito diferentes, mas desta forma têm opções para toda a gente.
Em alguns dos casos, como aconteceu com a Câmara Municipal de Cascais, abriram uma fase de inscrição de beta-testers aos munícipes, porque os trabalhadores internos podiam não ser exatamente o público-alvo, e, desta forma, tinham a possibilidade de testar com um conjunto mais restrito de pessoas. Esta opção costuma correr muito bem, porque as pessoas que se inscrevem e que querem ajudar a desenvolver a aplicação estão muito motivadas e colaboram bastante no processo.
Acham que o Content Marketing pode ser importante para o smarketing?
Patrícia Dias
[O Content Marketing] é fundamental para o smarketing, sobretudo para criar a tal recorrência de uso. A maior parte das aplicações que nós utilizamos são facilitadoras do quotidiano. Se pensarmos, as aplicações da EMEL e do MBWay resultam por si só, porque existe uma necessidade com frequência. No entanto, há outras em que isso é uma preocupação. Por exemplo, a app da Quinta da Regaleira só é utilizada durante a visita ao próprio espaço, embora tenha conteúdos a que se pode aceder sem lá estar no espaço físico. Então, colocámos a questão: porquê tanto investimento nesta app? Como têm vários eventos ao longo do ano – peças de teatro, concertos, etc. –, a ideia seria, numa segunda etapa, enviar algumas notificações push para chamar à atenção para conteúdos sobre esses eventos.Inês Teixeira-Botelho
A mesma coisa acontece na CUF. Na saúde, é um desafio, porque não se pode promover ou vender serviços de saúde. Ainda assim, podemos promover boas práticas de saúde e, por exemplo, o Content Marketing pode ter um papel muito importante para criar essa recorrência à app, através de uma notificação push. Não existe uma intenção direta de vender, por exemplo, a vacina da gripe, mas pode dar-se alguns conselhos de saúde.
Patrícia Dias
Neste caso, o desafio que já existe noutras plataformas, e que no mobile se torna fundamental, é mesmo personalizar o conteúdo. Não funciona mandar uma notificação igual para toda a gente, porque as pessoas têm necessidades diferentes. Eu posso estar interessada num conteúdo sobre cáries dentárias na infância, mas outra pessoa prefere saber algo relacionado com outro problema. Para isso, vai ter de existir um melhor cruzamento entre todas as métricas que recolhemos sobre os utilizadores e o conteúdo que é enviado para cada um.
Inês Teixeira-Botelho
Aliás, eu penso que esse é o maior desafio que conseguimos perceber com o nosso estudo sobre smarketing. As aplicações estão muito bem feitas, mas ainda se tratam muito pouco os dados em Portugal. Existe muito valor a tirar dos dados e esse trabalho ainda não está a ser devidamente feito. Estamos no início e acredito que vai melhorar. No entanto, quanto mais estas aplicações customizarem aquilo que vão entregar a alguém, mais vantagens conseguirão retirar destas plataformas.
Já que estamos a falar de tendências daquilo que será o crescimento do Marketing, como é que acham que a área vai evoluir nos próximos 10 anos?
Patrícia Dias
A internet das coisas vai ser cada vez mais marcante no nosso dia a dia. Ainda estamos no início, mas a evolução vai passar pelo Marketing physidigital – mistura do físico com o digital – e pelas estratégias smart – adaptadas a cada pessoa. Portanto, vão existir ambientes cheios de tecnologias com sensores a recolher dados sobre cada um de nós e as estratégias de Marketing vão ter de se adaptar a esses dados. Por exemplo, vai ser possível haver sensores no supermercado que consigam detetar uma pessoa parada no mesmo corredor durante 10 minutos. Assim, poderão enviar uma pessoa ou um robot para perguntar se precisa de ajuda. A ideia do futuro acho que é um pouco esta.
Neste contexto, em que vamos ter acesso a dados e a um conhecimento detalhado do consumidor, a ética vai surgir como algo muito importante para um profissional de Marketing. Este vai ter ferramentas em que é fácil existirem zonas cinzentas.
Por outro lado, haverá outro debate sobre a possível hecatombe no mercado de trabalho, com a substituição das pessoas por sistemas inteligentes e robotizados. Essa parece que será a tendência nas ofertas mais massificadas. Mas também se prevê uma valorização extrema da presença humana em serviços premium e, nestes casos, existirão colaboradores com acesso a dados que conseguem personalizar a informação sobre cada cliente.
Podem dar-nos alguns dados biográficos para se perceber como chegaram até este livro sobre o smarketing?
Patrícia Dias
Em termos académicos, temos as duas percursos muito semelhantes e fizemos a licenciatura em Comunicação Social na Universidade Católica Portuguesa. Ficámos a conhecer-nos nas aulas – enquanto professora e aluna.
Depois da licenciatura e de alguns trabalhos, comecei a interessar-me cada vez mais pela vertente digital, especialmente pela produção de conteúdos. Acabei por fazer investigação relacionada com este tema das tecnologias digitais e como estas alteram a forma como as pessoas comunicam.
Há duas linhas que gosto mais de explorar: A primeira mais voltada para as empresas, tentando perceber como é que as tecnologias digitais podem ser utilizadas enquanto ferramentas de comunicação ou de recolha de dados para utilização estratégica. Depois, numa linha paralela e mais voltada para o quotidiano, interessa-me como é que as tecnologias alteram o nosso dia a dia. Por exemplo, em contexto de comunicação familiar, perceber como é que as crianças estão a aderir a estas tecnologias e as utilizam.
A Inês começou a desenvolver temas muito parecidos aos que eu estava a investigar e começámos a trabalhar em conjunto no centro de estudos.
Inês Teixeira-Botelho
Na realidade, aquilo que tentamos fazer é criar valor acrescentado para as universidades e para as empresas, mostrando que articulados têm mais a ganhar. As universidades têm a teoria e as empresas têm a prática e nós podemos cruzar isso da melhor maneira.
Assim, acabamos por criar valor acrescentado, mas também produzir conteúdos interessantes. Nós adoramos aprender, mas queremos saber coisas que são úteis, práticas e que façam diferença na vida das marcas. No fundo, é isso que nós tentamos sempre procurar, não andar atrás da teoria muito fechada sobre ela própria.